No último dia de trabalho numa locadora, um homem pode escolher apenas uma fita para levar de lembrança. Gabriel Cersosimo, o ator, não parece ter idade pra ter frequentado uma locadora, ou mesmo ter pego o auge da “era das locadoras” onde as pessoas brigavam por uma devolução e sim, havia um frenesi pelo lançamento, por um poster que seria jogado fora, por tentar comprar um VHS do seu filme preferido e por aí vai. Digo isso pois há quase 30 anos passei quatro anos da vida dentro de uma locadora como funcionário. Ai, que “porre” que era ter que lidar com clientes que não tinha educação e entregavam a fita sem rebobinar! Essas e outras peculiaridades saem da boca do ator e acabam soando nostálgicas para a maioria da plateia – inclusive eu, claro –, o que dá uma sensação de que o público está ganho pela memória emotiva que essa sensação ocasiona.
Gabriel causa empatia, tem vigor, leveza e conduz com humor sutil a “brincadeira” de embaralhar suas memórias enquanto lida com fitas cassetes antigas em um diálogo direto com a plateia. Como se nós fossemos seus antigos clientes e ele apresentasse alguma confidência. Não necessariamente isso acontece, mas parafraseando o título da peça é uma “lembrança/associação que me vem à mente agora boa demais para esquecer e nem tão ruim para não ser lembrada”. Os títulos dos filmes que Gabriel tenta organizar em sua despedida do emprego tem nomes atípicos, provavelmente fragmentos de “estórias” (com ‘e’ mesmo) que o ator insere na dramaturgia da peça, que de ficcional, num primeiro momento, se torna um biodrama do meio para o fim. Não à toa, os filmes que identificamos no monte exposto na cena, são os da Disney e “Casper – Gasparzinho, O Fantasma Camarada” que foi lançado em 1995. Gabriel já havia nascido nessa época? Me pergunto enquanto ele relata sua relação com o filme.
Por se tratar do relato da própria história, a aproximação com a tal lembrança boa demais para esquecer, porém ruim demais para ser lembrada faz com que o ator ofereça dois momentos em seu solo. O primeiro em que ele parece um jovem atendente de locadora, uniformizado para divulgar um dos filmes dos “Minions” e o segundo em que o ator se desloca dessa suposta persona ficcional e revela qual das fitas que gostaria de carregar contigo. Detalhe: ela nunca esteve na prateleira de uma locadora. Nessa altura do campeonato o público já está seduzido pela narrativa do ator e o desfecho acontece de forma tocante e sincera. Esse filme estaria em qual sensação da locadora Gabriel? Drama? Infantil? Documentário?
Com direção de Davi Novaes, “Lembranças…” tem dramaturgia do próprio ator, que em cena parece como aquelas fitas que colocamos para rebobinar e que vai rapidinho, pois o rebobinador está limpo e novo. Sua jovialidade e entusiasmo em contar a história faz com que ele se ausente de realmente sentir o que está falando. São tantas memórias posta em frases curtas, que o efeito do tom cômico seduz o ator, que em vez de abrir um caminho com calma, respirando junto com seu público para que eles também teçam seus roteiros de lembranças, passa “correndo” e afoito pelas suas memórias. Se fosse um atendente de locadora real a indicar um filme num final de semana num bairro qualquer, das duas, umas: ou você levaria o filme pela alegria esfuziante do atendente, ou não se deixaria seduzir com o entusiasmo do funcionário.