“A última visita” [DramaMix] | por Mariana Ferraz [@marianaferrazmf]
“A última visita” [DramaMix] | por Mariana Ferraz [@marianaferrazmf]

“A última visita” [DramaMix] | por Mariana Ferraz [@marianaferrazmf]

“A última visita”, texto de Daniel Veiga interpretado pelas atrizes Jhonnã Bao e Gilda Nomacce, apresenta o último encontro de duas mulheres num apartamento situado em um prédio à beira da demolição. Marta, interpretada por Nomacce, é a madrasta de Karina, personagem de Bao: em comum, partilham do luto da morte de Sandra, ex-companheira de Marta e mãe de Karina, que teria sucumbido a uma grave doença quando Karina tinha apenas 9 anos. O que se revela nesta visita, entretanto, é que Sandra jamais estivera morta, mas largara tanto a filha quanto a companheira sem deixar vestígios de seu paradeiro.

Com esta revelação, tem-se uma espécie de ressignificação do luto – que deixa de ser o da morte e passa a ser o do abandono –, na medida em que Marta tenta explicar à Karina que, apesar dos crueis julgamentos da enteada, a culpa pela partida de Sandra não havia sido sua. Enquanto buscam remontar as peças deste angustiante e perturbador quebra-cabeças, escancarando feridas mal cicatrizadas e expondo rancores e discordâncias desagradabilíssimos, um recurso ficcional fantástico embala o diálogo empreendido pelas personagens de Bao e Nomacce: num jogo de imprevisibilidades e melancolias, elementos tais como as rachaduras das paredes do apartamento, os objetos da sala de jantar, o tecido da cortina ou o batente da janela vão se fazendo, se desfazendo e se refazendo na medida em que determinados temas são esmiuçados por madrasta e enteada – marcação, esta, apresentada pela leitura de rubricas, empreendida pelo próprio Daniel Veiga.

Por se tratar de uma leitura cênica, admite-se que determinados aspectos da tensão inerente ao texto, devidamente postos pela vocalização das rubricas, não tenham podido ser alcançados – como é o caso, por exemplo, dos gestos de Marta e Karina quanto ao livro em que ficam guardadas as três únicas cartas enviadas por Sandra desde sua partida; ou as movimentações de Karina ao adentrar os cômodos do apartamento para recolher alguns pertences seus que ainda se encontravam ali. Mas mesmo que se compreenda que tais ausências se devem ao formato apresentado – característico da maioria dos espetáculos que integram a programação DramaMix –, considera-se que o texto de Daniel Veiga possui tantas delicadezas poéticas, tantas sutilezas gestuais, tantas marcações que dizem respeito à colocação firmada do corpo cênico indicadas nas rubricas – que felizmente, reitero, foram lidas por Veiga –, que o fato de o mesmo não ter sido propriamente encenado prejudicou, em certa medida, o estabelecimento de uma aflição melancólica que, ao meu ver, faz-se imprescindível para a construção da atmosfera linguística de “A última visita”. Tanto, que apenas o espectador atento deve ter logrado captar a “reversão” do melodrama: a história, aparentemente, é contada de trás para frente – informação nada relevante, mas que só se faz evidente de fato por meio da entonação empregada por Gilda Nomacce em sua última fala.

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