“Rádio Canibal” [DramaMix] | por Beatriz Porto [@beatrizpfg] 
“Rádio Canibal” [DramaMix] | por Beatriz Porto [@beatrizpfg] 

“Rádio Canibal” [DramaMix] | por Beatriz Porto [@beatrizpfg] 

O texto de Luís Holiver fala sobre um casal de artistas, Tom e Américo, que vivem juntos a angústia idealizada de se tornar artista. O casal está rodeado de vícios, desde heroína até o fascínio um pelo outro, que parecem compor um cenário psíquico de duas pessoas que tentam sobreviver ao próprio sonho de um dia fazer sucesso.

A história ganha ares de thriller psicológico quando Tom, após Américo ser expulso de casa, propõe que eles morem juntos na casa de sua família, em uma pequena cidade do interior. Nessa época, Tom já era famoso na rádio e sua voz era a promessa de sua cidade. Sua família parece ser importante e a cidade em si sugere um tempo/espaço ficcional curioso: lá tem o Coronel, personagem que nunca aparece, mas que é mencionado com autoridade. Aqui, tudo parece estranho e o cerco se fecha sobre o casal. Apesar de termos as descrições dos acontecimentos da cidade contadas pela narradora/escritora, os únicos personagens em cena são sempre Tom e Américo, num ciclo fechado que vai parecendo cada vez mais doentio. 

Numa jogada ensaística interessante do texto, Tom perde a voz, não podendo mais cantar. Aqui o thriller se intensifica: Américo, se aproveitando da condição do namorado, começa a ocupar seu espaço na cena musical local. Sua atitude é o tempo todo construída num paralelo imagético com o canibalismo, o que contribui para a sensação de terror que o texto causa.

Como em “Roda Viva”, de Chico Buarque, a peça aponta para a desumanização do artista que se vê desprovido de si ao se perceber mercadoria. Isso está na forte fala de Tom “minha voz pode ser do povo, mas minhas veias ainda são minhas”. Me parece, contudo, que ao vermos o canibalismo como um fruto violento de uma relação que acontece sempre dentro do quarto, nunca em conflito direto com o resto do mundo, a peça deixa de tocar na máquina da indústria cultural e seus agentes. 

Digo isso porque o texto aponta diversas camadas interessantes, mas que ficam como mural paisagístico: a narradora sugere uma questão de classe ao descrever a família de Tom como anfitriã de grandes festas de artistas e intelectuais e a cidade parece viver numa política de coronelismo, por exemplo. Acontece que esses entraves estão sempre no campo descritivo e aparecem na voz externa da narradora/escritora e não na lida do casal. Isso produz um drama em que as personagens estão ilhadas e o canibalismo é mais um traço doentio do que uma resposta antropofágica a um acontecimento de ordem social. 

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