O espetáculo é uma adaptação do texto ” Buraquinhos ou o vento é inimigo do picumã”, de Johnny Salaberg, grande referência para a história do teatro brasileiro. O genocídio da juventude negra (e infâncias) é o principal tema da peça, onde realidade e espiritualidade se conectam em uma narrativa bem amarrada e emocionante. Uma simples história de duas crianças gêmeas indo comprar pão para a mãe na periferia se transforma em um pesadelo quando os filhos não voltam, e um filme começa a passar pela cabeça da mãe: Por que demoram tanto? Será que aconteceu alguma coisa? Não devia ter deixado eles irem sozinhos – indagações comuns para mães negras no Brasil.
Então, move-se para o pior cenário possível: as crianças tentam fugir da polícia, que atira sem piedade e muitas vezes nos irmãos. O rap entre as cenas, a cumplicidade dos dois, os buraquinhos das balas nas camisetas e os diálogos sobre a morte são importantes para o resto da trama. Desde o início, se nota que os atores estão com roupas típicas de comunidades de terreiro: batas brancas, saias e lenços na cabeça. O debate passa então, após os tiros, a encantar para o Itan dos Ibejis – gêmeos que desafiaram a morte na cultura iorubá e os meninos se tornam pura ancestralidade em forma de erês – transformando a morte em uma brincadeira espiritual, continuação da vida e lugar de luta para a juventude que é brutalmente assassinada pelo racismo do sistema.
Por fim, o cenário hipotético desaparece e as crianças voltam sãs e salvas para sua mãe. Importante destacar o papel da mãe preta no decorrer do espetáculo, que cuida e protege seus filhos mesmo de longe. Um final possível, um futuro possível (voltar para casa ilesos). O tema da dignidade em vida e morte também aparece, além da importância do brincar e das entidades que brincam para as culturas de terreiro.