Café Literário na Megafauna | por Beatriz Porto [@beatrizpfg] 
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A crítica da crítica

Márcio Tito, do portal de críticas Deus Ateu, reúne Mariana Ferraz e Alexandre Gnipper, seus colegas críticos no projeto, além de Paulo Bio Toledo, crítico de teatro da Folha de São Paulo, e Natália Beukers, criadora do guia Infoteatro, para uma conversa sobre os rumos da crítica teatral nos dias de hoje.

Para este comentário aqui, penso que mais interessante do que tentar reproduzir as falas da mesa será refletir sobre elas, buscando menos resumir a atividade e mais deixar o debate aceso. Digo isso pensando no caráter de formação que conversas como essa proporcionam. Especialmente em um festival como a Satyrianas, que recebe tantas obras em processo e que terão o primeiro olhar crítico por esses sprints, acho interessante perguntarmos: o que se espera da crítica? Qual seu papel na cena teatral?

A conversa no geral girou bastante em torno do impasse crítico carrasco versus crítico conciliador. O crítico carrasco estaria naquelas figuronas do século XX que tinham o poder de derrubar a bilheteria de uma temporada ao fazer um comentário negativo sobre a peça no jornal. A postura conciliadora do crítico foi observada como um caminho recorrente na crítica atual que visa a tornar sua escrita mais democrática e mais preocupada com um olhar respeitoso sobre a obra e o artista em cena. 

Entretanto, se pensarmos dialeticamente, como propôs Paulo Bio em determinado momento, a postura conciliadora não gera por si só a superação do problema do crítico carrasco. E ter respeito por um trabalho não é sinônimo, necessariamente, de elogio, mas talvez seja de oferecer o olhar atento. Se a crítica for elogiosa baseada inteiramente em percepções subjetivistas como “gostei” ou “a peça é deslumbrante”, talvez ela revele mais sobre o gosto do crítico do que sobre a obra apresentada e pode carregar, ainda que veladamente, resquícios de uma retórica autoritária. 

Nesse sentido, os debatedores conversaram bastante sobre como os comentários que criticam negativamente aspectos de uma peça, mesmo que de forma respeitosa e sem intenções de achincalhe, muitas vezes ainda são levados pelos artistas como um ataque pessoal. Márcio Tito contou de momentos que passou nos últimos anos de escrita para o site em que viu somente comentários elogiosos sendo levados em consideração, e outros comentários sendo propositalmente escondidos. Me pergunto, a partir dessas experiências, o quanto não criamos (aqui falando como fazedora de teatro) um espaço para a crítica que é empobrecido: ela só me serve como divulgação do meu trabalho e, para tanto, só me serve o que for elogioso.

Por isso, volto um pouco à ideia de formação que comentei lá em cima. Acho importante entendermos que a crítica é, assim como o próprio fazer teatral, um exercício em processo: ela também está posta no mundo para que se concorde ou discorde dela, para que se aprenda com ela, para que se dialogue com ela, numa tarefa contínua de construção de referencial e de leitura da linguagem teatral. Isso tanto para o crítico, como para o artista e especialmente para o público (que julgo que muitas vezes esquecemos de colocar na equação da recepção teatral quando falamos em debates entre especialistas). 

A crítica como espaço privilegiado do pensamento pode ser um bonito meio de mediação de uma obra, inclusive para o público leigo. Por que será que tal cena me causou essa sensação? O que faz com o que o discurso da peça chegue dessa forma? O que me causa incômodo na peça? Quando falamos em democratização do acesso ao teatro, sabemos que em São Paulo, por exemplo, isso está historicamente atrelado à formação de público. Entender do vocabulário teatral, saber ler uma obra, é também abrir caminhos para o interesse em assistir teatro. 

Por isso, contaminada pelo otimismo proposto por Mariana Ferraz ao longo da mesa, vi nessa conversa uma iniciativa rara e importante: vamos debater como debater teatro! Vamos levantar as contradições e perceber as diferenças nos caminhos, nas leituras de mundo. Elas mudam também o nosso olhar sobre o teatro (e vice-versa!).

Aqui, nesses sprints, não temos necessidade nenhuma de dar estrelas aos eventos, o que é ótimo: não estamos com interesse de mercado, mas de oferecer um olhar externo a um trabalho em construção. Mesmo assim, por puro exercício de aprendizagem, vou me meter a copiar o modelo de Paulo Bio, que diz dar 5 estrelas não necessariamente por gostar ou achar que uma peça tem futuro mercadológico, mas por ver nela um debate que precisa de palco. 5 estrelas!

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