Estamos dentro de um universo rodrigueano, percebemos isso por vários elementos: os figurinos, os nomes das personagens, a formação familiar… Aliás, a homenagem está desenhada de início ao trazer (enquanto notícia popular, na voz de dois jornalistas) a morte de Alaíde, na Glória – é o universo de ‘Vestido de Noiva’ pedindo licença. E passeando por esse universo a Cia. Dons de Teatro Musical nos apresenta a história de Euzébio, único filho homem em uma família composta pela mãe viúva e sete irmãs. Seu tio, Augusto, se muda para a casa da família desestruturando o que estava construído até então, e aí assistiremos todas as obsessões rodrigueanas – desejos, incesto, morte…
Em paralelo a esse estudo do universo de Nelson Rodrigues, o coletivo tem um trabalho vocal potente (um destaque para a voz do ator Matheus Souza). Porém aqui o estilo musical destoa um pouco da atmosfera das tragédias cariocas, a escolha por um caminho mais popular, num sentido contemporâneo musical, me faz pensar que essa escolha pode ter como desejo aproximar também o público, acostumado com essa atmosfera. Mas questiono se não pode ser interessante também fazer uma imersão nos ritmos musicais da época, brincar também com esses elementos na sua composição.
Por fim, brincar com esse universo rodrigueano também pede uma interpretação bem específica (ou, costumeiramente, se vai para um estilo interpretativo específico). A dramaturgia de Nelson Rodrigues possui um pleonasmo em sua embocadura, é desafiador entender e jogar com isso em cena. O que nos faz pensar e montar e rever Nelson ainda no século XXI é porque as polêmicas, as escolhas dramatúrgicas dão abertura para um mundo mais profundo e complexo, arquetípico e não estereotipado. Sempre um cuidado que deve ser tomado quando investigamos esses recônditos porque o entendimento das relações (familiares, no caso) podem ficar frágeis, e perdem possibilidades de se verticalizarem.