“Vagamundo” [Teatro Adulto] | por Beatriz Porto [@beatrizpfg] 
“Vagamundo” [Teatro Adulto] | por Beatriz Porto [@beatrizpfg] 

“Vagamundo” [Teatro Adulto] | por Beatriz Porto [@beatrizpfg] 

Os palhaços Baltazar, Gaspar e Belchior olham o mundo. 

Certa vez aprendi que, para o palhaço, tudo acontece sempre pela primeira vez. Isso faz dele uma figura inocente e curiosa pela vida, e, por isso, capaz de nos fazer ver de novo hábitos que automatizamos no dia-a-dia sem nem pensar. Ver de novo no sentido paradoxal de estranhar e ao mesmo tempo reconhecer.

Em Vagamundo, Baltazar, Gaspar e Belchior estão com fome. Precisam passar o chapéu para comer. É disso, afinal, que palhaço vive: de fazer rir para comer. Rir é urgente. Nessa peça, o fazer rir como profissão é justamente a lente com a qual somos convidados a olhar o mundo de novo pela primeira vez.

A urgência em fazer rir é contraposta por cenas costuradas nas sutilezas, na coragem de bancar o tempo necessário para encarar o abismo da injustiça, da fome e da morte. É justamente encará-lo que faz os palhaços começarem o dia de novo – depois de dividirem uma azeitona em três partes de 33,33333% – em busca de um dinheiro no chapéu que os tire daquela situação. 

Vagamundo apresenta os palhaços que nos pegam desprevenidos na emoção: no riso ou no espanto, no riso ou na emoção, no riso ou na indignação. Talvez esse seja o momento apropriado do texto para revelar que eu fui a “pessoa que ri estranho” da plateia. 

Dito tudo isso, gostaria de colocar uma questão a ser ponderada, para a qual não tenho uma resposta certa. A figura do cego vulnerável é uma personagem que traz um tipo de humor incômodo. O que me deixa em dúvida sobre onde exatamente está a questão é que a cena tem uma saída dramatúrgica interessante, porque no final o cego é o esperto, e não o que é feito de bobo. Mesmo assim, algumas piadas no decorrer da cena ainda estão voltadas para a cegueira em si do personagem, sugerindo o riso sobre sua condição. Me parece que, justamente pelo olhar tão sensível que a peça tem sobre para quem é o mundo, essa talvez seja uma cena a ser revisitada no sentido de entender do que se está fazendo rir a cada passagem dela. Este é certamente um exercício constante que devemos fazer no humor e que aponta para as mudanças nas formas de ver o mundo – de novo e pela primeira vez, como os três palhaços fazem com tanta graça.

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