O espetáculo belíssimo é uma leitura dramática e autobiográfica da infância do ator Gustavo Parreira, que atua na peça em conjunto com a personagem que representa a sua mãe, ora a sua avó, ora o médico que lhe dá o diagnóstico de deficiência. É uma imersão com o contato que ele teve com a Xuxa e suas canções, e o quanto ela representou um lugar seguro, de refúgio para o menino que teve sua infância atravessada pela morte da mãe, florescimento de uma sexualidade e identidade de gênero não normativas e descobrimento de uma deficiência física.
O cenário minimalista, com duas cadeiras e os textos, influenciou para uma aproximação muito maior do público com a sua história – em alguns momentos pareceu uma conversa. O menino enfrentou seus desafios de uma forma poética e única: inventando palavras para coisas que sentia, tal qual Manoel de Barros. A ansiedade ele chamou de “formigueiro”, as inúmeras cirurgias que passou por conta da paralisia cerebral, chamou de “terremoto”, a anestesia, de “brinquedo de sonhar”, entre outras miudezas infantes que tiraram boas risadas. Aparece, em determinado momento da peça, as indagações em paralelo sobre gênero e sexualidade, já que sua avó o repreendia sobre ter cabelos grandes e usar roupas femininas – inspiração mais que certeira da própria Xuxa (cantora ídolo do Gustavo).
O tema religioso também aparece na leitura. Como muitas pessoas quando descobrem alguma deficiência, o ator passou por uma certa canonização de seu ser por ser PCD. Frases como “Você está predestinado” ou “Essa é a sua missão na Terra” ou até “Isso é uma provação divina”, estiveram presentes em toda sua infância e vida adulta. No final, ele faz o que chama “peraltagem de palavras” quando diz que Deus somos todos nós presentes ali, reinventando significados.
Um ponto de atenção é a presença de um intérprete de libras durante todo o espetáculo, tornando a peça acessível para parte do público PCD. Para além disso, mesmo sabendo que se trata de uma programação que abarca o tema acessibilidade, seria interessante expandir o acesso a esse tipo de ferramenta (intérprete, por exemplo) para todas as peças, tratando ou não de temas como deficiência.
Por fim, Gustavo invoca o mais recente meme da Xuxa “Que show da Xuxa é esse?”, presente no TikTok, onde uma menina se revolta por não conseguir entrar no show da cantora. Para ele, a vida é um Show da Xuxa e, às vezes, a gente não entra. Além de usar o ato teatral para se reencontrar com sua falecida mãe, e agradecer pelos sacrifícios.