Baobá é uma árvore suntuosa de origem africana que, na cultura yorubá, representa a conexão entre terra e céu, entre mundo material e sobrenatural, a ligação com os tempos imemoriais, o tempo do mito. Cortar um Baobá é vê-lo sangrar, tal qual os povos diversos do Brasil que tiveram a conexão com suas raízes historicamente interrompida.
A peça/contação de história é um resgate de memória. A atriz Isabel Oliveira conta e reproduz áudios de histórias de mulheres negras ligadas às suas tradições familiares, aos seus aprendizados passados de geração em geração. Vemos hoje que estes são saberes que sobrevivem nas margens, nas brechas de uma estrutura social que insiste em mantê-los subalternizados e que relembrá-los faz parte de um dever histórico.
A peça, então, nos convida a fazer esse resgate. A atriz canta e conta histórias enquanto passa um café a ser compartilhado com o público, numa atmosfera intimista e de diálogo que é capaz de quebrar pré-conceitos. Nesse sentido, vou observar aqui dois pontos estéticos que acredito que possam contribuir para a construção do espetáculo. São eles:
Dado o formato que sugere uma conversa aberta com o público, noto que o uso excessivo das gravações provoca um distanciamento entre a atriz e o espectador. A gravação é fixa, tem menos interferência da memória oral, da palavra escolhida para contar naquele dia, da ressignificação que uma história sofre ao ser revivida por outra pessoa.
Além disso, o formato da contação de história nos dá algumas liberdades que são interessantes de serem exploradas. A personagem pode ir e vir no corpo da atriz, que pode ter consciência de estar diante do público desde o começo. Afinal, ela veio aqui com uma missão histórica, que ela sabe perfeitamente qual é. Quando Isabel apresenta a peça nos agradecimentos finais, ela se coloca de forma extremamente contundente, e imagino que essa postura da artista que pensa, da atriz que decide contar uma história importante, pode aparecer desde o início, sem precisar se esconder inteiramente atrás da personagem. A atriz é, afinal, também uma Baobá, ela também faz conexões entre mundos, entre mito e espectador, entre culturas, entre povos. Essa postura aparece com força, por exemplo, quando podemos ouvir a voz que falha a construção de personagem ao cantar “eu quase que não consigo ficar na cidade sem viver contrariado”.
No mais, que a peça curitibana circule, que ganhe ainda outras cidades, outros estados e que, tal qual a árvore, cresça, se reconecte, que reposicione o tempo. É sempre bonito ver um grupo de artistas que viaja: é que a história vem de longe, vem de sempre e vem querendo ser contada.