O trabalho em questão é um caso particular que merece considerações acerca dessa curta resenha, já que nasceu no meio do ano, fez algumas apresentações, passou por reformulações e deve fazer seu debut dia 04 de dezembro na Galeria Olido. Na Satyrianas, o grupo resolveu mostrar apenas o primeiro ato. A encenação e dramaturgia são assinadas por Morgana Oliveira Manfrin, da Coletiva Profanas.
Enquanto a encenação transcorria, algumas referências me viam a mente: “Ensaio sobre a Cegueira”, o filme, na versão de Fernando Meirelles e “Branco: o cheiro do lírio e do formol”, peça que estreou no Centro Cultural São Paulo em 2017 e causou mal estar ao colocar artistas brancos questionando o racismo. Morgana é branca, assim como basicamente todo o elenco. Criou uma história distópica para falar sobre racismo estrutural, apontando o “pacto da branquitude” como a grande doença dos nossos tempos a devastar territórios.
O primeiro desafio da direção é criar uma unidade num elenco bastante diverso. Ao tentar dar conta de muitas pautas, o texto se torna confuso e a montagem se torna hermética. Se Morgana orienta de forma satisfatória a movimentação deles em cena e o trabalho vocal, por outro lado alguns aparecem sem tônus, o que enfraquece a cena como um todo. Penso que a dramaturgia deveria ter sido pensando nas possibilidades de expandir a história desses corpos e não há intimidá-los.
Um exemplo disso é a presença do jovem empregado da fazenda (William Lansten), que tem um personagem que num primeiro momento esboça desejos por homens, para pouco tempo depois vemos ele se confessando ao padre, por desejar mulheres mais velhas. Primeiramente, tal mudança não é explicada a contento; depois, soa maniqueísta descrever o drama desse personagem que parece regido pela moral e bons costumes cristâ. Pode ser gay? Não. Pode ter uma namorada mais velha? Não.
“Ontem eu deixei de me matar mais hoje eu taco fogo na minha prisão”, diz a atriz negra do elenco – o que pode parecer um tanto panfletário. Se bem é verdade que Morgana tem uma boa carpintaria, procura transgredir em seus trabalhos com seu coletivo, trabalha com a diversidade de forma respeitosa e inclusiva, também é certo que aquilo que propõe, talvez, necessite de uma subversão – na cena, no elenco, no texto – preocupada com os temas urgentes da sociedade e com a inserção de todes na cena.