A Companhia de Teatro Cena Onze, grupo mato-grossense que integra novamente a programação do Festival Satyrianas – e que, na última edição, causou eloquentes alvoroços com a apresentação do irretocável espetáculo “Bereu” –, traz agora à ribalta a peça “60 anos depois”, dedicada à história e à memória dos movimentos de resistência à Ditadura Militar brasileira (1964 – 1985) no contexto geográfico do estado de Mato Grosso.
Baseada principalmente nos relatos do professor Waldir Bertulio, sobrevivente da opressão e dos anos de chumbo que assolaram o país durante o referido regime, a dramaturgia de “60 anos depois” é tecida a partir de cenas dedicadas à personagens matogrossenses que operaram não apenas na fortaleza local, mas que também tiveram sua importância na batalha contra o autoritarismo a níveis nacionais e internacionais. Foi o caso, por exemplo, de Carlos Reiners, “o último socialista do Pantanal”, que teria recebido o Comandante Che Guevara numa breve passagem do mesmo por Cuiabá enquanto este deslocava-se rumo à Bolívia; de Gilney Viana, aliado de Carlos Marighela; ou de Sônia Lafoz, militante e companheira de Carlos Lamarca na Vanguarda Popular Revolucionária; apenas para citar alguns dos nomes presentificados pela Companhia.
Destaco o trabalho do ator Ronaldo José, em sua assombrosa interpretação do Capitão Silva, comandante de operações de tortura e personificação rotunda dos algozes que encabeçaram a Ditadura Militar no Brasil; além da atriz Cléo Oliveira – tanto na cena em que dá vida à Sônia Lafoz, como também àquela em que aparece como Cremilda, numa espécie de transe perturbador entre a loucura e a sanidade do homem encarcerado. Vale pontuar ainda, enquanto homenagem e louvor, a presença do próprio professor Waldir Bertulio ao término do espetáculo, que se soma ao elenco para proferir algumas palavras de testemunho e resistência.
Entregando novamente um excelente trabalho, a Companhia de Teatro Cena Onze se despede da 25ª edição do Festival Satyrianas instaurando, na memória do público assistente, a comoção e a inquietude provocadas por “60 anos depois”. Principalmente porque, após o ressurgimento da extrema direita no país há cerca de uma década – e intensificada, como bem se sabe, no contexto do Golpe empreendido contra a então presidenta da república Dilma Rousseff –, é imprescindível que nos recordemos, sempre e a cada possibilidade, da tragédia violenta, criminosa e absolutamente inadmissível que assolou o país nos tempos da Ditadura Militar. Porque 60 anos é ontem, e é necessário lembrar para não esquecer: ditadura, nunca mais. E viva o teatro mato-grossense!